Já tivemos a oportunidade de considerar o interesse de Marcos nas dificuldades
e desafios do discipulado, bem como sua simpatia ante as fraquezas dos
primeiros apóstolos. Esta simpatia, porém, não o leva a diminuir a exigência
imposta aos discípulos de Jesus. Isto pode ter sido uma tentação para ele,
naqueles dias iniciais quando ele fugiu da Panfília e voltou a Jerusalém. A fé
cristã exige realmente tal sacrifício?
Mas, ao tempo em que escreveu seu Evangelho, Marcos teve de enfrentar e
superar seu medo; e, talvez como resultado de sua batalha, ele apresenta mais
agudamente do que outros evangelistas o alto custo requerido dos seguidores
de Jesus:
"Então, convocando a multidão e juntamente os seus discípulos, disse-lhes:
'Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.
Quem quiser, pois, salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a vida por
causa de mim e do evangelho, salvá-la-á'" (8.34,35).
Jesus faz esta convocação logo depois de anunciar sua própria morte pela
primeira vez. Seus discípulos devem seguir o mesmo caminho, levando sua
cruz, prontos para perder suas vidas por Ele e pelo evangelho. O título da
autobiografia de Frank Chikane, o Secretário Geral da Concílio Africano de
Igrejas, será também o lema de suas vidas: Minha Vida Não Me Pertence!
O significado desta auto-renúncia é explanado mais claramente em Marcos
30 HOMENS COM UMA MENSAGEM
10.17ss. O jovem rico é desafiado: "Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres,
e terás um tesouro no céu; então vem, e segue-me" (10.21). Ele, porém, relutou.
Pedro afirma: "Eis que nós tudo deixamos e te seguimos" (10.28), e então ouve
a promessa de Jesus de que "ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou
irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos, por amor de mim e por amor do
evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos, irmãs,
mães, filhos e campos, [e] com [eles] perseguições; e no mundo por vir a vida
eterna" (10.29,30).
Os discípulos viviam numa cultura em que as raízes do lar e da família eram
muito importantes. Na verdade, os judeus acreditavam que a terra de sua família
fora dada a eles por Deus, e assim, basicamente, não deveria ser doada ou
vendida. Apesar disso, Jesus os convida a dar as costas a tudo por sua causa. É
verdade que Ele promete que eles receberão outro tanto de volta. Porém o que
eles receberão não é o mesmo que eles abandonam. Eles abandonam suas famílias
humanas, e recebem a família de Deus (3.34,35). E também sofrerão "persegui-
ções", porque estarão desafiando uma "geração adúltera e pecadora", e isto
lhes acrescenta mais do que as coisas a que renunciam.
Nem todo cristão é instado a deixar lar e família por causa de Jesus. Porém
Marcos foi. Ele teve de deixar a segurança e riqueza do lar de sua família em
Jerusalém e viajar, primeiro com Barnabé a Chipre, e depois disso não sabemos
aonde, exceto que incluía a Ásia Menor, e terminou em Roma com Pedro e
Paulo. Ele se tornou um "pescador de homens" ao lado eles, estendendo as
mãos, como seu Senhor, aos necessitados e perdidos, esquecido de si mesmo,
renunciando a todas as coisas para que possa receber muito mais. E ele também
atrai pessoas a Cristo, através de seu soberbo Evangelho, que fala tão vividamente
hoje como falou a Mateus e Lucas quando eles estavam buscando inspiração
para seu próprio trabalho.
Texto extraído do livro "Homens com uma mensagem" de John Stott, editora cristã unida.
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