sexta-feira, 13 de maio de 2016

O Verdadeiro Evangelho


By Eudmarly Sena
Introdução
É difícil dizer que temos uma vida cristã saudável se não compreendermos o verdadeiro evangelho. A compreensão do mesmo nos distancia, dia após dia, de nós mesmos, dos nossos pecados, e nos eleva a Deus. O que é o oposto do que acontece em muitos dos arrais das igrejas evangélicas brasileiras modernas.
Precisamos nos engajar intelectual e emocionalmente na compreensão do evangelho. Intelectual para que tenhamos o discernimento do genuíno evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus, o Cristo. A certeza de que é a verdade de Deus na história humana registrada nas Escrituras que confessamos.
Emocional porque necessitamos materializar essas verdades em nossas vidas, a fim de colocarmos em prática diariamente os princípios da vida cristã que compreendemos do evangelho em oposição a dos “evangelhos1”.
Precisamos saber identificar o cerne do evangelho, e podemos fazer isso reconhecendo como temas centrais os temas: Deus como criador, a universalidade do pecado, Jesus Cristo como Filho de Deus, Senhor de tudo e Salvador através da sua morte expiatória e vida ressurreta; a necessidade da conversão, a vinda do Espirito Santo e seu poder de transformação, a comunidade e missão da Igreja cristã e a esperança na volta de Cristo.
Todos estamos familiarizados com a palavra “evangelho”, mas poucos, bem poucos, de nós temos clareza quanto ao seu conteúdo. E precisamos dessa clareza! Podemos compreender o Evangelhos vendo-o como um história; “a verdadeira história que fala às nossas mais puras aspirações e aos nossos mais profundos anseios2”.
Aqui trataremos do verdadeiro evangelho à luz da história, penso ser uma forma mais rica de entendê-lo apesar de que alguns resumem a três ou quatro princípios simplificados, eles podem ser úteis, mas não tão ricos de entender como ver o evangelho como uma verdadeira história que nos fala hoje e sempre.
Porém, antes definiremos, de forma breve, o vocábulo “evangelho” a fim de laçar luz para a compreensão da graça de Deus e necessidade humana, misericórdia divina e miséria humana.

  1. O significado da palavra “evangelho”.
A palavra “evangelho” (gr., euangelion, “boas novas”) nos traz a ideia de uma notícia sobre um fato já ocorrido e que transforma aqueles que dela se apropriam. Segundo Douglas, “na literatura clássica essa palavra designava a recompensa dada pela entrega de boas notícias, e sua transferência posterior para as próprias boas-novas pertence ao NT e à primitiva literatura cristã”3.
Observamos então que a palavra originalmente tinha o significado de recompensa para alguém que dava as boas novas, mas com a influência do NT e da literatura cristão primitiva, passou representar as próprias “boas novas”. E assim, “no Novo Testamento denota as ‘boas novas’ do Reino de Deus e da Salvação por meio de Cristo, a serem recebidas pela fé, como base a sua morte expiatória, sepultamento, ressurreição e ascensão (por exemplo, At 15.7; 20.24; 1 Pe 4.7)”4.

  1. Compreendendo o Evangelho à luz de quatro capítulos da história.
É bom lembrar que evangelho é uma boa notícia e não um bom conselho, não é algo que fazemos, é algo que já foi feito por nós e ao qual devemos responder. O evangelho anuncia uma boa notícia, a de que fomos salvos, algo que não poderíamos fazer foi feito por nós sem que precisássemos pagar por isso. E que agora nos resta responder de forma positiva à essa boa notícia, o evangelho. É sobre o que Jesus fez para restaurar nosso relacionamento com Deus.
O evangelho é histórico, foi consumado e teve uma linha de acontecimentos que culminou na boa notícia. Mas uma vez, evangelho não é bom conselho, é boa notícia. Lloyd-Jones nos explica a diferença, ele diz que “o conselho é conselho sobre algo que ainda não aconteceu, mas você pode fazer algo a respeito. Notícias é um relato sobre algo que já aconteceu o qual você não pode fazer nada, pois já foi feito, e tudo que pode fazer é responder a ela”5.
Por isso o evangelho passa pelo que já foi feito por nós através da história, em ponto marcantes de nossa existência que a misericórdia divina se manifestou.
Assim, “é útil ver o evangelho no contexto da história humana começando com a criação de Deus de todas as coisas, rebelião do homem contra o Criador, sua subsequente queda em corrupção e redenção de Deus da qual estava perdido”6.
Então, vamos observar o evangelho nesse contexto histórico:

    1. Criação: o mundo para qual fomos criados
A história começa não conosco, mas com Deus. É verdade que na humanidade há algo de solene e majestoso, mas não somos o máximo. Existe algo (ou Alguém) infinitamente maior que nós.
A Bíblia com que esse Alguém é o único Deus infinito, eterno e imutável que criou todas as coisas a partir do nada (Gn 1.1-31). Esse Deus é único e subsistente em três pessoas: Pai, Filho e Espirito Santo (Mt 28.19). Justamente por ser trino e uno em seu ser, não foi motivado a criar mundo porque precisasse dele, nunca precisou de adoração, relacionamento ou glória, como alguns assim supõem. Deus criou o mundo por causa de sua transbordante perfeição: seu amor, sua bondade e sua glória.
Deus criou os seres humanos à sua imagem (Gn 1.27), disso resulta nossa dignidade e valor. E por sermos humanos, seres criados, significa que somos dependentes de nosso Criador. Na criação original de Deus, tudo era bom! O mundo existia em perfeita paz, harmonia e completude. O homem foi criado para desfrutar da presença de Deus e nela se deleitar eternamente.
Mas...
    1. Queda: corrupção de tudo
Ao invés de viver e se alegrar nele, servindo e adorando, a humanidade se voltou contra ele em rebelião pecaminosa (Gn 3.1-7; Is 53.6). Esse ato de rebeldia lançou o mundo sob trevas e sob a maldição do pecado. Vestígios de bem permaneceram, mas a completude e a harmonia da criação original de Deus foram devastadas.
Consequentemente, todos os seres humanos são pecadores por natureza e por escolha (Ef 2.1-3). Nossa visão não pode ser rasa e superficial do pecado, ao compreendermos o evangelho entenderemos que o pecado não é, primeiramente, uma ação; é uma disposição. De fato, trata-se da aversão de nossa alma para com Deus, manifestando-se em nosso orgulho, egoísmo, independência e falta de amor, tanto para com Deus quanto para com o próximo (Mt 22 37-40).
O pecado trouxe várias consequências à nossas vidas, sob a ótica das Escrituras vemos duas que são drásticas, são elas: escravidão e condenação.
      1. Escravidão
O homem que rejeita a Deus está disposto a adorar qualquer coisa. Quando se voltam contra a Deus, as pessoas vão em busca de outras coisas a fim de encontrar vida, identidade, propósito e felicidade, essas coisas se tornam deuses substitutos7. Assim as pessoas logo ficam escravizadas pelos deuses substitutos, exigindo tempo, energia, lealdade e dinheiro; tudo o que é e o que tem (Rm 3.10,11,23).
Tudo isso passa a governar a vida e o coração, assim, a Bíblia vai falar do pecado como algo que tem domínio sobre os seres humanos (Rm 6.14). Escravidão é servir à criatura em lugar do Criador, é isso que o pecado faz e é por isso que é escravizador (Rm 1.25).

      1. Condenação
Como consequência da escravidão pelo pecado, estamos condenados diante do Justo Juiz tanto do céu quanto da terra. “...O salário do pecado é a morte” (Rm 6.23). Estamos debaixo de condenação, debaixo de uma sentença de morte por causa de nossa rebeldia, e traição contra a santidade e justiça de Deus. A ira de Deus contra o pecado repousa sobre nós (Na 1.2; Jo 3.36).
O pecado trouxe condenação ao homem, este ficou sentenciado a morte espiritual (separação espiritual) com uma possibilidade de consequência maior, a morte eterna (separação definitiva de Deus).
    1. Redenção: Jesus vem e nos salva
Diante de tal situação deplorável da humanidade perante Deus, surge a necessidade de um Salvador, um Libertador, um Redentor para livrá-la da escravidão e da condenação do pecado e para restaurar a humanidade caída. Somente alguém como Jesus, Deus-homem, poderia resgatar a humanidade.
Por essa razão, Deus enviou Jesus ao mundo para ser nosso substituto (1Jo 4.14). Jesus sendo plenamente humano e divino ao mesmo tempo8, viveu a vida que ninguém poderia viver, viveu uma vida de obediência. Portanto, foi capaz de receber a punição que merecíamos por nossa a desobediência e pecado. Jesus viveu uma vida de obediência perfeita a Deus (Hb 4.15). Na cruz, tomou nosso lugar, morrendo por nosso pecado. 2Co 5.21 ele recebeu a nossa condenação e a morte que merecíamos, e agora quando depositamos a nossa confiança nele, passamos a receber a bênção e a vida.
Pela fé em Jesus somos salvos, e a fé é como entrar no táxi, é como estar sob o bisturi do cirurgião; é um compromisso de entrega tranquila e sincera do “eu” a Jesus (Sl 31 14.15). Isso significa crer no verdadeiro evangelho.
    1. Consumação: cumprimento de tudo.
Deus prometeu que Jesus voltará para finalmente julgar o pecado e fazer novas todas as coisas. Mas até lá, está juntando um povo para si “de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap. 7.9). Como parte desse povo chamado e enviado, temos o privilégio de nos juntarmos a ele em sua missão (Mt 28. 18-20), como indivíduos e como parte da família espiritual.
Nossa caminhada continua como um povo redimido pelo sangue de Cristo. E enquanto não se consumar o final prometido, estaremos dando continuidade a história no quesito de levar as “boas novas” projetadas por Deus, consumada por Cristo e aplicada pelo Espirito Santo, ao mesmo tempo em que, as três pessoas da tri-unidade tem participação em cada peça do teatro dessa história que ainda continua a mudar vidas. Confiamos em Jesus e somos libertos da condenação e escravidão do pecado. Recebemos a graça de Deus que nos torna livres para dizer “sim” para Deus e “não” para o pecado, diante do nosso estado caído, sem a graça preveniente9, acontece o oposto (Rm 3 11.12). E aguardamos a bem aventurada esperança da vinda de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e a consumação de todas as coisas.
Nada proporciona mais consolo a alma do fiel que saber que um dia Deus “aniquilará a morte para sempre, e assim enxugará o Senhor DEUS as lágrimas de todos os rostos, e tirará o opróbrio do seu povo de toda a terra [...]” (Is 25.8). Confira ainda (Ap 21.4).
Essa é a boa-nova – a história verdadeira – do evangelho10

  1. Ótica do Evangelho
Falamos a linguagem do evangelho, mas é muito raro aplicarmos a todos os aspectos da vida. Mas é exatamente o que Deus quer de nós. Em colossenses 1.6, Paulo elogia seus irmãos da igreja por causa que o evangelho estava “frutificando e crescendo” entre eles desde o dia em que ouviram e conheceram. Se a nossa transformação não for de maneira contínua, é porque nos esquecemos do que Deus fez ao nosso favor, isso é o que Pedro ensina (2Pe 1.3-9). A verdade é que “se pretendemos amadurecer em Cristo, temos de aprofundar e ampliar nossa compreensão do evangelho como meio designado por Deus para a transformação pessoal e comunitária” 11.
Apesar de que muitos cristãos veem com uma visão incompleta o evangelho, por exemplo: alguns veem apenas como “a porta” como acesso ao reino de Deus. Porém o evangelho é muito mais que isso! Não é apenas a porta, mas também na qual precisamos andar todos os dias da vida cristã. É tanto o meio para nossa salvação quanto o meio para nossa transformação. O evangelho nos liberta da punição do pecado e do poder do pecado. O evangelho tudo muda!
A importância de observamos quanto a nossa compreensão do evangelho é significativa, nos dá o devido entendimento do que é crescer, de fato na presença de Deus. Quanto mais eu cresço na vida cristã, mais cresço na percepção da santidade de Deus e da minha carnalidade e pecaminosidade.
O evangelho nos faz enxergar cada vez mais Deus como Ele realmente é (Is 55.8,9) a também a mim, como realmente sou (Jr 17.9,10). Não devemos entender isso como se Deus estivesse se tornando mais santo ou que eu esteja cada vez mais pecaminoso, na verdade, é a minha percepção dessas realidades que cresce, isso compreender o verdadeiro evangelho.
Enquanto cresce minha compreensão do meu pecado e da santidade de Deus, outras crescem igualmente: minha gratidão e meu amor por Jesus.

Conclusão
Somos um novo povo redimido, e a história continua pela libertação do evangelho propagada pela Igreja compromissada com a missão, o genuíno evangelho que liberta o homem do pecado e da condenação, e faz dele um novo homem para a glória de Deus. Somo livres para morrer para nós mesmo e viver para Cristo e seus propósitos. Somos livres para trabalhar pela justiça no mundo. Somos nascidos de novo para começarmos a viver para a glória de Deus e deixar de viver para a nossa própria glória.
Que cresçamos no verdadeiro evangelho, e crescer nele, significa enxergar mais da santidade de Deus, e mais do meu pecado.

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1 Uso a palavra “evangelhos” para diferenciar do Evangelho, pois estes tem se avolumado na sociedade como uma forma corrompida do Evangelho puro e sem mistura.
2 A Vida Centrada no Evangelho, Robert H. Thune & Will Walker. p. 15
3 J. D. Douglas, O Novo Dicionário da Bíblia. p. 470
4 W. E. Vine, Dicionário Vine. p. 628
5 Disponível em <https://www.monergism.com/thethreshold/articles/onsite/historical_gospel.html>
6 Disponível em <https://www.monergism.com/thethreshold/articles/onsite/qna/whatisgospel.html>
7 O que a Bíblia chama de ídolos
8 Jesus não é duas pessoas – uma sendo Deus e a outra sendo um homem. Não há “o homem Jesus” separado “do Deus Jesus”. Jesus não tinha (e nem tem) dupla personalidade. Desde que encarnou, ele é uma só pessoa, porém, dotada de duas naturezas: uma divina e outra humana.
9 A graça preveniente é simplesmente aquela graça de Deus que convence, chama, ilumina e capacita, e que precede a conversão e torna o arrependimento e a fé possíveis.
10 Criação-Queda-Redenção-Consumação, síntese apresentada.
11 A Vida Centrada no Evangelho, Robert H. Thune & Will Walker. p. 20

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