quinta-feira, 23 de setembro de 2021

DOUTRINA DA CONVERSÃO: UMA ABORDAGEM PRÁTICA E PASTORAL

Pastor Abraão de Almeida - Seminário Teológico - Teologia Sistemática 

 

Por Eudmarly Sena

INTRODUÇÃO

Na decisão inicial de crer, onde se agarra a Cristo com a mão vazia da fé, sim, é nesse momento em que o pecador que predestinado em Cristo, antes preocupado apenas consigo mesmo, é capturado pela salvação de Deus. Vemos aqui a beleza orquestração divina: a conversão.

Cristianismo sem a devida conversão não é, de forma alguma, cristão.

DEFINIÇÃO

Conversão, segundo a definição mais simples, é abandonar o pecado e aproximar-se de Deus. (Atos 3:19.) O termo é usado para exprimir tanto o período crítico em que o pecador volta aos caminhos da justiça como também para expressar o arrependimento de alguma transgressão por parte de quem já se encontra nos caminhos da justiça. (Mt. 18:3; Lc. 22:32; Tg. 5:20.).[1]

Conversão é aquela mudança voluntária na mente do pecador em que ele dá as costas para o pecado, por um lado, e se vira para Cristo, doutro lado. Podemos considerar o primeiro ato como um elemento negativo da conversão. E o segundo, podemos tê-lo como um elemento positivo. “Conversão é o lado humano ou aspecto daquela mudança espiritual fundamental, que, vista do lado divino, chamamos regeneração”.[2]

 

VERDADES BÍBLICAS PRÁTICA ACERCA DA CONVERSÃO


 1. A CONVERSÃO ENVOLVE VIRAR-SE DO PECADO, O QUE O HOMEM POR NATUREZA NÃO PODE FAZER.

O homem natural não pode reformar sua vida até um certo ponto: pode virar-se de algumas formas de pecado; mas naturalmente não pode alterar a disposição de sua natureza, a qual é propensa ao pecado. Isso é demonstrável em Jeremias. 13:23: ““Será que o etíope pode mudar a sua pele ou o leopardo, as suas manchas? Se fosse possível, também vocês poderiam fazer o bem, estando acostumados a fazer o mal.” O pecador está sempre inclinado a fazer o mal, portanto, é-lhe impossível deixar a prática do pecado, salvo se a sua disposição pecaminosa mude. Assim como é para o mais preto dos negros fazer-se branco, ou o leopardo despir-se do seu manto malhado, também ao homem é impossível mudar sua inclinação para o mal.

“A conversão engloba nosso comportamento e o que somos em Cristo. Refere-se principalmente, ao repúdio ao pecado e à confiança em Jesus.”[3]

2. A CONVERSÃO É AGRADÁVEL A DEUS E O HOMEM NATURAL NÃO PODE AGRADAR A DEUS.

Ninguém pode duvidar da primeira parte da afirmação acima. Pois, A última parte é claramente observável em Romanos. 8:8, que diz: “Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus”. Isto inclui a todos a quem Deus não deu uma nova natureza. Apenas os santos podem agradar a Deus, e ser santos significa que fomos “(1) separados (2) para um novo senhor (3) com um novo amor”.[4]

3. A CONVERSÃO É UMA BOA COISA, E NENHUMA BOA COISA EM RELAÇÃO A DEUS PODE PROCEDER DE UM CORAÇÃO NATURAL

Disse Paulo que não habitava nenhum bem em seu estado natural, ou seja, em sua natureza carnal (Rm. 7:18). E esta é a única natureza que o homem possui até que Deus lhe conceda uma nova. Em razão disso, a doação da nova natureza, ou vivificação, deve vir antes da conversão. Afirmar diferente é negar a depravação total, a qual significa que o pecado penetrou em cada parte do ser humano e envenenou suas faculdades naturais, mentais e espirituais, colocando o homem em estado naturalmente pecaminoso.

4.  A CONVERSÃO ENVOLVE SUBMETER-SE ALGUÉM À VONTADE OU À LEI DE DEUS. E ISSO NÃO É POSSÍVEL AO HOMEM NATURAL.

Essa impossibilidade ao homem natural está registrada na passagem que Paulo deixou aos cristãos romanos, no capítulo 8 e versículo 7, onde lemos: “Porque a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeita à lei de Deus, nem mesmo pode estar.”

5. A CONVERSÃO ENVOLVE RECEBER A CRISTO COMO SALVADOR DE UMA PESSOA, ELA É DE NATUREZA ESPÍRITUAL. ASSIM SENDO, O HOMEM NATURAL NÃO PODE RECEBER COISAS ESPÍRITUAIS.

Essa última verdade pode ser verificada em I Coríntios 2:14, é como segue: “Ora, a pessoa natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura. E ela não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”. A verdade do poder salvador de Cristo pela fé é uma coisa do Espírito de Deus, a saber, uma coisa que o homem pode entender somente pela revelação do Espírito.

 

6. A CONVERSÃO ESTÁ LIGADA À FÉ, E A FÉ OPERA NO HOMEM PELO MESMO PODER QUE LEVANTOU JESUS DOS MORTOS.

Tal é a declaração de Efésios. 1:19,20, na qual lemos da “e qual é a suprema grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder. Ele exerceu esse poder em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos [...].”

7. A CONVERSÃO É UM VIVIFICAÇÃO ESPÍRITUAL, E COMO TAL A COMUNICAÇÃO DA VIDA DEVE PRECEDER, SEMPRE, A MANIFESTAÇÃO DA VIDA CRESCENTE.

A conversão é representada em Efésios. 2:4-6 como uma ressurreição espiritual, que diz: “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossas transgressões, nos deu vida juntamente com Cristo — pela graça vocês são salvos — e juntamente com ele nos ressuscitou e com ele nos fez assentar nas regiões celestiais em Cristo Jesus”. O ressuscitar aqui representa a conversão.

EXEMPLOS DE CONVERSÃO NA BÍBLIA

1.      A mulher na casa de Simão (Lucas 7.36-50)

2.      Saulo de Tarso (Atos 9. 1-18)

3.      O carcereiro (Atos 16: 27-34)

CONCLUSÃO

A doutrina da conversão expressa a beleza de Deus, ela bela da mesma forma que muitas transformações são belas. Deus implantou a revelação da sua glória que é exercida na mudança da morte espiritual para a vida eterna. Toda conversão a Cristo resulta de finalmente o contemplarmos como o nosso Cristo, a oferta pela nossa salvação. (vide a conversão de Saulo)



[1] Myer Pearlman, Conhecendo as Doutrinas da Bíblia. p. 183

[2] A. H. Strong, Teologia Sistemática. p. 426

[3] David F. Wells. Volte-se para Deus. p.30

[4] Michael Lawrence, Conversão. p.76

sábado, 31 de outubro de 2020

INTRODUÇÃO ÁS CAUSAS DA REFORMA PROTESTANTE

 

 

 

Introdução

By Eudmarly Sena

Costuma-se pensar que a Reforma Protestante teve unicamente caráter religioso, mas um olhar, ainda que panorâmico, nas entrelinhas que a proporcionaram, ou contribuíram, incluem vários fatores além do religioso. Neste breve tratado, daremos uma ênfase ao caráter religioso, mas guardadas as devidas precauções quanto a não sermos obscuros a respeito dos outros fatores.

A Reforma Protestante foi uma resposta a clamores por um retorno aos padrões bíblicos, ela gerou um ruptura na já então corrompida Igreja Católica Romana, dando origem aos protestantes. Vamos observar as causas da Reforma Protestante e verificar seus princípios, dos quais alguns ainda hoje permanecem, porém outros, esquecidos pela igreja moderna.

Devemos olhar com cuidado para as pressuposições e perspectivas em relação às causas da Reforma Protestante a fim de entendermos o seu grande impacto no fluxo da História. Da mesma forma que não pretendendo obscurecer os aspectos sociais e políticos, também não pretendo ignorar as ideias da Reforma, o que poderá levar a perda de sua essência. As ideias da Reforma que afetaram sua época, bem como a nossa, são ideias ligadas às suas causas com pretensão de trazer de volta a dignidade humana, tanto em liberdade individual quanto em liberdade nacional, também política e religiosa.

De forma breve veremos causas e fatores que contribuíram para que a religião tivesse mais um rosto em sua história, e com isso o mundo ocidental tivesse um impacto nunca antes pensado.

Em tão pouco espaço, não serei pretencioso ao ponto de dar a entender que as informações, aqui contidas, serão o suficientes para ter domínio sobre as causas da Reforma Protestante, isso jamais. Mas desejo lançar luz sobre o assunto com um olhar para hoje de forma objetiva e, desta forma, fazer um convite à reflexão a respeito de nossos dias.


  1. Breve Contexto Religioso



Na época, não havia exata separação entre vida religiosa e vida secular, estas se confundiam, não existia vida alternativa fora da igreja. Aqui vale lembrar que até poderia alguém viver, ou pelo menos tentar, fora da igreja, mas isso significaria ser um herege e isto, por conseguinte, levaria à morte. Religião era o ar que se respirava; nasciam, viviam e morriam na religião. Portanto o dia-a-dia era todo revestido de significado religioso.

Mas a igreja foi entrando em decadência, a mesma igreja que havia representado o Cristianismo na Europa Ocidental, agora estava se arruinando vergonhosamente. Dois fatores poderiam ser citados: excesso de autoridade e acúmulo de bens materiais, como lembra Nichols: “O egoísmo dominava a vida da maioria do clero. Os clérigos extremavam-se no zelo e na guarda dos seus privilégios legais e sociais. Eles fizeram do dinheiro o seu grande objetivo”.1

Bom, já que toda a vida era perpassada pela religião, esse cenário supracidado, irá contribuir para que sejam abaladas as estruturas político-religiosas da igreja romana, essa decadência da igreja de Roma vai contribuir primariamente para causar a Reforma, sacudirá o jugo da igreja e a sua organização. Era uma igreja pisada, como toda igreja que perde sua utilidade, pelos homens e lançada para fora da vida das pessoas2.

  1. Breve Cenário Politico



O cenário político era de mudanças, pois o conceito medieval de um estado universal estava dando lugar a um novo conceito. Os estados a partir da Idade Média começaram a se organizar em bases nacionais, por isso o novo conceito a que se estava dando lugar era o de nação-estado. Como bem lembra Cairns: “Essas nações estado, com poder central e com governos fortes, servidos por uma força militar e civil, eram nacionalistas, opondo-se ao domínio de um governo religioso universal”.3

O ideal universal colidia com a consciência nacional emergente das classes desses novos estados.



2.1 O Espírito Nacionalista



Nesse cenário político, o patriotismo dos povos começou a se manifestar, mostrando-se inconformado com a autoridade estrangeira sobre suas próprias igrejas nacionais; resistem às nomeações de bispos, abades e dignitários da Igreja, feitas por um papa que vivia num país distante.

Hurbult lembra que “o povo não se conformava com a contribuição do ‘óbolo de São Pedro’, para sustentar o papa e a construção de majestosos templos em Roma”.4 Havia uma intenção de colocar o clero sob o poder das mesmas leis e dos tribunais que serviam para os leigos. Ainda segundo Hurbult, “esse espírito nacionalista era o sustentáculo do movimento da Reforma”.5 O governo nacional e sua administração civil se opunham a hierarquia religiosa internacional da Igreja Romana.

  1. A Renascença


Nessa época, houve uma movimento notável que despertou a Europa para um interesse renovado pela literatura, pelas artes e pela ciência, chamado de Renascença. Com a Renascença, houve uma transformação dos métodos e propósitos medievais em objetivos e métodos de pensamento. Esse novo interesse pela literatura clássica, pela língua grega, pelo latim e pelas artes, agora eram inteiramente separados da religião6.

Seu começo é especialmente na Itália, não foi uma movimento religioso, mas literário; não apresentou uma postura abertamente anti-religiosa, mas cética e investigadora. Em alguns países7 havia um sentimento religioso o qual despertou o povo para um interesse renovado pelas Escrituras, pelas línguas grega e hebraica, o que levou o povo a investigar os verdadeiros fundamentos da fé, sem a tutela de Roma, ou seja, independente dos dogmas de Roma. A disseminação da língua grega contribuiu para que homens lessem o Novo Testamento no original. A Reforma vai mais tarde confirmar o livre acesso às Escrituras sem ditos estáticos e prisioneiros de Roma, “por toda parte, de norte a sul, a Renascença solapava igreja católica romana”.8

Uma figura importante nesse movimento foi Erasmo de Roterdã, ele, para Wachholz “pode ser considerado o profeta dessa revolução”9. Ele se dedicou ao estudo dos manuscritos da Antiguidade recém-descobertos na Itália, nisso está sua contribuição especial. Ele preocupou-se com um estilo puro, a preocupação exata das palavras, se aliou a imprensa para publicar os livros da Antiguidade, e isso o deixou muito conhecido. Erasmo tinha um desejo, o de que a igreja fosse reformada de seus abusos e adotasse um política ousada e renovadora em conformidade com o Humanismo.

Em 1516, Erasmo produziu uma edição do texto grego do Novo Testamento que causou enorme rebuliço.

  1. Humanismo



O termo humanismo ele é ambíguo, significa colocar a criatura humana no centro do universo. O humanistas, por um lado, dedicavam-se aos estudos das letras clássicas, por outro, veneravam a capacidade da criatura capaz de produzir essas obras de arte, talvez por essa razão seja difícil separar Renascimento e Humanismo.

Na Idade Média a ideia de renúncia era muito apreciada, porém com ascendência do Humanismo, não havia nenhuma simpatia por essa ideia, pois nela, o ser humano não é subproduto, mas o próprio centro da história.

McGrath lembra que “os humanistas eram principalmente estudiosos – homens de letras que insistiam em que esse retorno sistemático à Bíblia devia ser feito com base no melhor estudo acadêmico possível”10. Com esse cenário, o verdadeiro conteúdo da Bíblia deveria ser estabelecido por meio de métodos textuais mais confiáveis, e mais, a Bíblia devia ser lida nas línguas originais, assim a autoridade de Vulgata11 ficou sob ameaça.

A exigência humanista de retorno à Bíblia mostrou ser um chamado contundente, muito radical, mais até do que o clero podia digerir.


  1. Causas da Reforma Protestante


O que vimos supra, ainda que sucintamente, foram pontos influenciadores para a Reforma Protestante. Os pontos citados não esgotam, nem de perto, o que perpassou no contexto influenciador da Reforma, mas lança luz para que compreendamos de forma objetiva o pano de fundo em que contexto surgiu o movimento, e as causas que o trouxeram à tona.

Vejamos as causas da Reforma Protestante:

5.1 Fator político:



Pode até ser considerado uma causa indireta, mas não menos importante para o vir à tona da Reforma. O ideal universal conflitava com a consciência nacional que surgia das classes dos novos estados, pois “as novas nações-estado centralizadas no noroeste da Europa se opunham à noção de uma igreja universal que reivindicava jurisdição sobre a nação-estado e seu poderoso governante”.12

Com o fortalecimento das monarquias nacionais, os reis passaram a encarar a Igreja, que tinha sede em Roma e utilizava o latim, como entidade estrangeira que interferia em seus países. A Igreja, por seu lado, insistia em se apresentar como instituição universal que unia o mundo cristão.

A noção de universalidade perdia força com o sentimento nacionalista. Cada Estado, com sua língua, seu povo e suas tradições, estava mais interessado em afirmar suas diferenças em relação a outros Estados do que suas semelhanças. A Reforma Protestante correspondeu a esses interesses nacionalistas.

A Bíblia passou a ser divulgada na língua nacional dos respectivos países, o latim perdeu o seu lugar, esse que era o idioma oficial da Igreja. Agora com a Bíblia traduzida em língua nacional, seria possível observar o contraste abismal entre a Igreja do Novo Testamento e a igreja de Roma.

5.2 Fator intelectual-moral:



Esse fator é devido a postura crítica que os homens adotaram, homens de mentes lúcidas e secularizadas, diante da vida religiosa dos seus dias como era proposto pela Igreja Católica Romana.

Como bem lembra Cairns: “ao aumentar numericamente, a classe média tornou-se individualista e começou a se revoltar contra o conceito da sociedade medieval, que colocava o indivíduo debaixo de autoridade”.13

Vale lembrar que essa liberdade a qual agora vinha à tona também tinha fundamento no princípio da liberdade proposto pelas Escrituras. Então, as pessoas começaram colocar em xeque a validade das pretensões da Igreja de Roma e de seus líderes. As pessoas estavam agora mais interessados na vida secular do que pela religiosa.

OS estudiosos humanistas que possuíam o Novo Testamento em grego, perceberam logo as discrepâncias entre a Igreja da qual liam no Novo Testamento e a Igreja Católica Romana. A leitura do Novo Testamento levou os estudiosos a perceber grande corrupção que atingira todos os escalões da hierarquia da Igreja Romana, os clérigos compravam e vendiam cargos livremente. Muitos recebiam salários sem prestar qualquer assistência religiosa que deviam.14

Era claramente percebido que a justiça era comprada e vendida nas cortes eclesiásticas, por exemplo: “era possível a alguém conseguir, mediante dinheiro, uma dispensa para se casar com parente, embora fosse proibido pela lei canônica15”. Sem falar que muitos sacerdotes viviam em pecado aberto, ou mantinham relações de prostituições, alguns dos sacerdotes tinham várias concubinas.

Vejamos o que Cairns fala sobre essa corrupção:


Os fiéis das dioceses eram abandonados pelos bispos que geralmente negligenciavam a supervisão de seus sacerdotes para verificar se realmente cuidavam do rebanho. Por isso, muitos párocos16 descuidaram-se da pregação e da visitação, limitando-se apenas a rezar missa, por eles proclamada com um rito mágico capas de comunicar a graça a todos.17


5.3 Fatores socioeconômicos:



A Igreja romana, durante o período medieval, condenava o lucro excessivo (a usura) e defendia o preço justo. Essa moral econômica entrava em choque com a ganância da burguesia. Grande número de comerciantes não se sentia à vontade para extrair o lucro máximo. Viviam ameaçados com o inferno.

Os interessados nos lucros do comércio sentiram a necessidade de uma nova ética religiosa, mais adequada à época de expansão comercial e de transição do feudalismo para o capitalismo. A nova economia do dinheiro libertou os homens da dependência do solo como principal meio de vida.

A insatisfação social e a urgência de uma mudança foi um fator social fundamental na irrupção da Reforma.

5.4 Fatores religiosos



Aqui chegamos em um fator preponderante, o fator religioso, nenhum fator que tenha motivado a Reforma deve ser ignorado ou diminuído a sua importância. Mas o fator religioso nesse contexto tem proeminência.

Vejamos alguns fatores do contexto religioso:

5.4.1 Corrupção do Clero



O comércio religioso surgia, ou melhor das relíquias sagradas18, e era utilizado para ludibriar as pessoas de boa fé para se obtenção imoral de dinheiro19. Alguns historiadores cristãos enfatizam que a igreja fracassou em satisfazer as necessidades do povo, e isso se constituiu em um fator teológico e filosófico da Reforma.

A essas alturas, com a degradação do clero, já eram considerados como falsos representantes de Deus. Nichols cita o secretário do papa, este era Benedito XIII, que disse o seguinte a respeito dos clérigos: “Raramente se encontra um, em mil, que faça honestamente o que o cargo exige”.20 Era muito comum dizer que a embriaguez, a glutonaria e as mais vis impurezas sexuais eram assustadoramente comuns no meio do clero. “A literatura da época é cheia de ataques a todos os vícios do clero”.21

É bom lembrar que aquilo que, por certo tempo, tinha sido a grandeza dessa igreja tornou-se motivo de fraqueza, ou seja, a tremenda autoridade sacerdotal. Os privilégios e poderes sobre os homens, o quais eram exercidos pelo clero, em especial pelo alto clero, prejudicariam o seu caráter e a vida espiritual desse clero. Na mesma proporção foi prejudicial, de forma imponente, a riqueza material que a igreja possuía, a qual era usufruída pelo seu clero, e principalmente pelos indivíduos da alta hierarquia ás custas do povo.22

Além desse comércio fraudulento, a Igreja passou a vender, também, indulgencias, isto é, o perdão dos pecados. Mediante um bom pagamento, destinado a financiar obras da Igreja, os fiéis poderiam comprar a salvação e a entrada para o céu.

As indulgências talvez é que melhor representava o estado generalizado de corrupção da igreja. Essa venda de indulgências “foi considerada uma forma de exploração do povo alemão por parte de uma força internacional (Roma)”.23

Tetzel24 havia se tornado um reflexo do estado miserável e desprezível em que se encontrava a igreja. As pessoas mais informadas estavam indignadas, indignação provocada por causa da venda de indulgências.

5.4.2.2 Degradação da religião



A igreja papal estava com um ensino adulterado de Cristianismo. Houve uma substituição do Evangelho por uma religião de ritos sacramentais, o que dava impressão de uma salvação mágica, superstições tiveram lugar de destaque na igreja de Roma.

É pertinente citar algumas palavras esclarecedores de Nichols:


Esse igreja permitiu que o evangelho fosse substituído por uma religião de ritos sacramentais que outorgavam uma salvação mágica: eram feitas orações ao espírito bondoso da Virgem e dos santos; fora infundido um medo injustificado dos maus espíritos; havia as relíquias milagrosas, as vestimentas aparatosas; maldições e absolvições eram proferidas pelos sacerdotes.



Nesse período houve protesto contra tudo isso.

No século 11 surgiram dissidentes que desejavam uma reforma na igreja, suas pregações eram de homens espirituais que queriam proporcionar à igreja coisa melhor do que encontravam lá. Esses dissidentes se esforçaram em protesto contra a igreja de Roma, mas ela nada aprendeu, a Idade Média estava perto do fim, e não se via nenhum esforço por parte de Roma no sentido de purificar seu culto.

A corrupção que se generalizou tirou qualquer esperança, mínima que fosse, ou até mesmo irrisória, de ver qualquer reforma surgir dentro da própria organização. Diante de tal corrupção, era praticamente impossível que a reforma fosse iniciada pela própria organização. Havia uma força do mal, uma força do mal dentro dela, e ela mesma não podia destruir essa força, mesmo com toda indignação e do protesto da opinião pública.25

Diante desse cenário, a causa teológica da Reforma foi o desejo dos reformadores de voltar à fonte clássica da fé cristã, a Bíblia, a fim de refutar o ensino da teologia romana, que por sua vez ensinava que a salvação era obtida através de sacramentos da graça ministrados pela hierarquia.

5.4.2.3 Desprezar o povo



Com toda esse corrupção e degradação, a igreja medieval é levada a abandonar o povo sob sua responsabilidade, o povo foi abandonado como consequência do abandono de deveres por parte da igreja. Os bispos já não inspecionavam as igrejas sob os cuidados deles.

Sabemos que a missa era um ritual latino, latim culto que não era entendido pelo povo e, por mais hilário que possa parecer, nem mesmo pelos próprios padres. O povo ficava sem entendimento, prestavam uma veneração irracional, pois não compreendiam o que dizia a Bíblia lida em latim pelos párocos. Estes se davam por satisfeitos pelo que prescrevia o escravizador ritual latino e, assim, o povo não estava sendo pastoreado.

O povo agora só era útil para o estômago do clero, e havia pleno interesse que o povo ficasse na ignorância26 para fins de controle. O povo devia, pregavam eles, o clero, obedecer os representantes máximos de Deus na terra, o que eles falavam era o mesmo que Deus estar falando27. Portanto, a submissão deveria ser irrestrita. Isso só mudou após a leitura da Bíblia, como base nos princípios bíblicos da individualidade do sacerdócio, os fundamentos da igreja de Roma desmoronou, quando todos passaram a ter acesso às Escrituras, perceberam quão blasfema era a ideia de que apenas o clero era representante de Deus. E, na verdade, pelo seu caráter, nem eles eram verdadeiros representantes de Deus. O que eles representavam bem era a ganância e a sordidez humana quando se corrompe o Evangelho e a religião cristã fundada em princípios divinos da Bíblia.

Foi uma época caracterizada por um profundo desprezo, e descaso, da igreja em relação ao povo. A igreja possuía um clero negligente e egoísta, houve grande falha em atender as necessidades espirituais do povo. É válido lembrar, até para nosso alerta hoje, que essa falha se tornou descarada quando “as cidades da Europa cresceram muito rapidamente no século 12, como muitas das cidades atuais das Américas”.28

O alerta fica por conta de que com esse crescimento, não houve o cuidado, ou interesse, de organizar novas igrejas e de preparar sacerdotes para as cidades. Na medida que a igreja cresce, a liderança deve sempre ter o cuidado na organização e, melhor ainda, na preparação de obreiros capazes e responsáveis para cuidar do rebanho de Deus.

Muitas pessoas pobres viviam sem assistência cristã tanto em relação ao corpo quanto à alma (hoje infelizmente ainda vemos isso em muitos lugares e em muitas igrejas). É até natural que um clero sem caráter e exemplo, a consequência fosse um povo abandonado em todos os sentidos. Ainda mais com o tipo de religião que ministravam à Igreja, a um povo que era necessitado do evangelho ela oferecia um grande sistema de superstição, o sacerdócio que administrava isso é um sacerdócio mundano e corrupto.

Por tudo isso “essa igreja já não tinha remédio além desse, ao fim da Idade Média, para a ignorância e a maldade, para a miséria física e espiritual que enchiam a vida da Europa.

O que restava mesmo era eclodir a Reforma, “especialmente na insistência desta sobre o direito do indivíduo em ir diretamente a Deus através de Cristo, conforme ensinado nas Escrituras”29, esse seria o papel de Lutero, pois havia encarnado o espírito da Reforma.






Considerações finais



A Reforma Protestante é rica em impacto mundial, sua influência no mundo e na História é incalculável. Ao estudarmos a Reforma podemos olhar sob vários ângulos, mas nunca devemos perder de vista que ela foi proeminentemente religiosa, contudo, abrange a economia, a política, o intelecto e o social. Nossas raízes estão lá, aprender o contexto da Reforma é aprendermos lições importantes para que uma igreja cuide do seu caráter cristão, respeitar a o povo como rebanho de Deus, e seguir a verdadeira religião ensinada por Cristo sem mistura, pregando salvação unicamente pela Fé.


Soli Deo Gloria

7 de Março de 2016























BIBLIOGRAFIA

Cairns, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: uma história da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 2008

Gonzalez, Justo L. Uma História do pensamento cristão: da reforma protestante ao século 20. Vol 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

______________ História Ilustrada do Cristianismo, a era dos reformadores. Vol 2. São Paulo: Vida Nova, 2ª ed. rev. 2011.

Hurlbut, Jesse Lyman. História da Igreja Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2007

McGrath, Alister E. A Revolução Protestante. Brasília, DF: Palavra, 2012

Nichols, Robert Hasting. História da Igreja Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 14º Edição 2013.

Wachholz, Wilhelm. História e Teologia da Reforma. São Leopoldo: Sinodal 2010

1 Nichols, História da Igreja Cristã. p. 140

2 Ver Mateus 5.13

3 Cairns, Earle E. O cristianismo através dos séculos. p.248

4 Hurlbut, Jesse L. História da Igreja Cristã. p. 179

5 Idem.

6 Vale lembrar que os principais pensadores e escritores, eram homens pertencentes à Igreja.

7 Por exemplo: Alemanha, Inglaterra, França e etc.

8 Hurlbut Jesse L. História da Igreja Cristã. p. 178

9 História e Teologia da Reforma. p. 34

10 Alister Mcgrath, A Revolução Protestante. p. 37

11 Tradução da Bíblia para o Latim feita por Jerônimo.

12 Cairns, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. p. 252

13 Cairns, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. p. 254

14 Esse tipo de recebimento de salário era chamado de “sinecura”

15 Cairns, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. p. 254

16 Padre encarregado de uma paróquia

17 Cairns, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. p. 254

18 Muito utilizada hoje pelas “igrejas” do movimento neo-pentecostal.

19 Já naquela época estavam interessados em montar império para seus prazeres libidinosos e imorais. Ainda hoje existem esses lobos.

20 Nichols, Robert Hasting. História da Igreja Cristã. p. 140

21 Ibdem

22 Isso tem voltado a ser destaque principalmente após o crescimento dos líderes neopentecostais que se utilizam da boa fé dos incautos para levantarem um império de riqueza e, enquanto isso, o povo padece.

23 Wachholz, Wilhelm. História e Teologia da Reforma. p. 57

24 João Tetzel foi o encarregado da venda de indulgências na Alemanha Central.

25 A corrupção generalizada nunca proporciona esperança de revolução ou mudança através da organização que permitiu que o mal fizesse nela morada. Não se pode esperar nenhuma mudança de corrupção generalizada em organização humana quando já deixou de ser organismo divino. A revolução, ou reforma, só acontece quando é desfeita a organização corrupta.

26 Um povo ignorante é facilmente manipulado para atender os desejos do manipulador

27 Alguns ainda hoje procuram influenciar os incautos com esse pensamento, a razão é unicamente para pôr cabresto. São os que se colocam acima da crítica e, até mesmo, acima de Deus.

28 Nichols, Robert Hasting. História da Igreja Cristã. p. 141

29 Cairns, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. p. 255